segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Let It Go!



Do alto dos quase trinta anos (e evitando precisão de informação acerca da idade), comecei uma mania chata de aplicar questões filosóficas sobre a vida quando tenho oportunidade de observar crianças brincando, principalmente meninas. É distante olhar como adulta essa cadência, e ao mesmo tempo tudo ainda é muito familiar. Quase completo as frases. Complicado não encher tudo de significado, de simbolismo, de sinais. São sementes essas pessoas tão novas, são cheias de potencialidades, umas mais fortes que outras resistem mais bravamente às podas, mas até quando?



Só a luz de Freud cala essa conversa mental, lembrando que “às vezes, um charuto é só um charuto”.

Mas conto isso para pontualizar na minha curiosidade na diferença das brincadeiras e do mundo imaginário, das meninas e meninos. Da minha época lembro de vários embates terríveis para decidir quem seria a Pocahontas, a Jade e a Rapunzel... Era séria a disputa. Tão séria quanto a de duas meninas que discutiam outro dia numa loja para decidirem quem ficaria com a fantasia da Elsa e da Anna. Os meninos, dos mais quietinhos aos mais espevitados, tem seus heróis para travarem seus embates, ou então seus modelos de carros, ou então seus sei lá mais oques que essa meninada anda arrumando, mas até hoje não conheci um garotinho cheio dessas ofertas imaginárias brigando para ser o príncipe da princesa fulana. E é isso, são meninos que estão se divertindo com outras coisas mais divertidas. Mas será que não são tão crianças quanto as meninas que também poderiam estar se divertindo com imaginário de algo como os Minions? Vejo poucas garotinhas querendo se fantasiar de Minions, e eles são o máximo, diga-se de passagem.

Bom, claro que existe O Show da Luna, a Peppa, a Dora Aventureira, etc de referência feminina para as garotinhas, e que elas não estão por aí só vendo “coisas de meninas”, mas o forte mesmo da idealização, por quem vejo os olhinhos brilhando, são as princesas. Até hoje. Elas se sentem com o máximo de beleza e todas as milhares de qualidades do mundo que só uma princesa da Disney pode reproduzir. E ai do pai ou da mãe quando negam a tão sonhada fantasia. É engraçado de ver.



Falamos "engraçado” em momentos sem graça nenhuma, não é mesmo?  Isso me dá frio na barriga para ser mais sincera. Me dá medo não saber o quanto essas meninas encantadas com o mundo do príncipe encantado vão levar delas mesmas para a vida adulta, medo de ver desperdiçar diversão e aprendizado e criatividade com outros assuntos. Medo do tamanho da decepção quando souberem que não teve um príncipe sendo formado em contrapartida aos seus anos de vestido rodando pela sala da casa, cantando a música tema do desenho... E que o boy não tem culpa disso. Ele estava envolvido com as corridas, batalhas, incêndios, futebol. Teve foi ocupação, e que bom que tenha sido assim, afinal aos 12 anos o moleque já foi “de um tudo” nessa vida.

Queria ver menos princesas e mais Alices em seus países das maravilhas. Mais meninas com a carinha limpa, sendo meninas curiosas, vivendo suas aventuras e descobertas com seus amigos, bichos, e no mundo só delas. Sem essa preocupação com questões romantizadas fora da hora... Afinal tem a vida inteira para isso virar uma questão, para que precipitar tanto? Sem essa espera para que sejam salvas, sem essa aposta alta de que final feliz que se preze depende de ter um príncipe. Queria ver incentivado o protagonismo dessas pequenas, ver o mistério que cativaria mais... Queria, mas sem achar que os problemas sentimentais dessas adultas estariam resolvidos, porque não falta enredo para preencher todas essas estórias. Meu querer é mais porque sei que quem foi Alice não tem medo de cair na toca do coelho e descobrir um mundo novo, nem de estar sozinha e enfrentar suas questões com a sabedoria própria, nem de encarar seus inimigos e nem de confiar nos seus amigos (e que eles são de todos os jeito e formas e isso é maravilhoso). As Alices tem experiência com as próprias mudanças de forma física e de pensamento, tem coragem, determinação nos objetivos... Essas meninas tem sorte, minimamente elas já conheceram muito mais cores do que a cor de rosa.



Tem muita coisa que as Alices são, e tem outras infinitas mais além, morando em possibilidades a perder de vista das torres dos castelos das princesas. E acho que queria no fundo era isso mesmo, que fosse além.

Príncipes e princesas são legais, mas é nesse sentido que a vida vai... Muito além.




segunda-feira, 13 de junho de 2016

QUEM SABE?








Achei que fosse infartar. O coração pulsava forte, fazendo meu vestido se mover, e junto com ele os músculos todos do corpo para falar a verdade.
Enjoo. Fui vomitar, não consegui. Não conseguia ficar sentada. Andava e me sentia fraca andando.

 Calma, respira. Falava pra mim sem conseguir obedecer a nenhuma das duas palavras.
Respiração, respiração, piração, piração... Parecia que não ia ter fim. Sabia que ia.

 Por enquanto era voltar a fazer das tripas coração. O amor é isso, e parece que só isso mesmo. Esse eterno ir dormir em paz, e acordar querendo morrer. Eterno cicatrizar e remexer a ferida. Looping de calma e caos, sem fim. Também sabia que iria. Um dia iria.

 Já no terceiro cigarro, me lembrei da vez que eu te reconheci pelo queixo, num ângulo meio ¾, de costas. Quantas noites e manhãs, banhos de mar, cachoeiras e piscinas, viagens de carro e caminhadas. Quantas conversas, jantares e observações. Quanto tempo te olhando, meu Deus! Reconheço tudo, é tudo tão familiar quanto meu próprio corpo. Reconheço sem ver, pelo passo e pelo cheiro. O tamanho das mãos e a pressão dos braços, quando dentro do abraço.

 Meu cérebro milimetricamente te desenhou inteiro. Sei de cada cílio, posição de dedo segurando copo, cabelo crescido por cima da orelha, eu sei. Eu te vejo e enxergo até o que não vejo. Essa é a diferença. E essa é toda a diferença. Mapeamento completamente inútil, obra de um acaso desocupado. Será que um dia isso tudo se apagaria? Sabia que iria, um dia.

 Os dias seguem depressa... Por que isso é bom, e às vezes tão duro? Vejo fotos e algumas memórias que me fazem querer parar por ali, no que não é. É que na verdade eu estou, ainda. É essa tendência, sempre ela, a de querer permanecer no momento, sem lidar com a realidade dura de construir coisas, avante, dia a dia. Querendo sempre que o tempo pare no instante. Sempre o impossível, sempre ele.

 Ligo para deixar claro que estou desistindo, deixar claro que você tem que fazer rápido alguma coisa. Mas como? Fazer o que? No meio da fala me pergunto mentalmente se é isso mesmo que falam que é o amor, ou se isso é alguma doença mental bem banal. Agora na verdade nem interessa saber. O senso de urgência não abre uma brecha para o bom senso. Está tudo para ontem, agora, de um jeito que não esteve nos últimos “ontens” e tempos. “É tudo de mim isso aqui, você entende? E eu estou desistindo de você.”

 Você já deve imaginar que eu comecei a fazer a lista dos meus motivos. Daquele tipo que colo no espelho do banheiro, como adolescente que precisa lembrar a Tabela Periódica, e que eu adulta preciso para lembrar horários de remédios. Sofro desse mal e nada muda. Sigo precisando ser lembrada a todo tempo do que me faz bem, antes da asneira recomeçar a tomar conta, como uma contração que cumpre religiosamente o ciclo.

 Quero com isso silenciar a alma, a vontade, a fome... Esse sufocamento. Tão mais simples se tudo fosse pouco, só um pouco. Só às vezes. É só uma questão de se manter, e isso é tudo que posso fazer, sem saber se aguentaria por muito tempo. Mas, sabia que iria.

 Eu desisti, pelas tantas outras alternativas que ainda tenho. Inclusive a de voltar atrás. E sabia que iria, um dia.


quinta-feira, 2 de junho de 2016

Quando tudo é mistério...



Aqueles dias, que só Nina Simone para salvar, depois que já foi Bethânia e Vinícius...

Aqueles em que nada basta, você entende?

Ah meu amigo, ela pode até achar alento alguns instantes no seu ombro, mas especialmente nesses dias, não queira ser maior do que seu ombro. 

Ela está transbordando absolutamente tudo... 

Chega a doer de tanto, e nada. 

Você nesses dias deve aceitar que não será maior do que pode ser.
Ela guarda tanta coisa dentro dela, e tudo vira semente, tudo germina e brota. 

Não é pra entender. 
É só para estar junto dela na areia quando acabar o mergulho no mar, a manga da camisa quando o filme fizer chorar, dar atenção e amor com olhar. 

Estar. Permanecer. 

Não há mistério quando tudo é mistério. 




quinta-feira, 10 de março de 2016

Dormingo


 
Poderia estar falando tudo isso pessoalmente, sim. 

Preferi escrever.

Isso é só entre nós dois. 

Nós que damos a maior importância ao que está escrito, merecemos e preferimos, eu sei.

Guarda aqui nesse monte de letrinhas pretas, organizadas pela imensidão do fundo branco, o cheiro do café que fiz para a gente despertar da delícia da estarmos juntos e preguiçosos com o domingo inteiro aos nossos pés. 

Pés que durante a noite inteira se procuraram, os quatro, tanto quanto os 4 braços...
Me senti convidada pra dançar, aquele ritmo lento, de carinho pelos meus cabelos, seus cabelos, cadenciado pela busca do lugar exato do seu ombro que foi feito, eu sei, pro meu repouso. 

A pose final, feita de acolhimento, formada dos nossos abraços infinitos, fortes, lentos, imensos... Emocionantes. 

Eu seria capaz de construir minha casa ali, naquele momento.
Me tornar marginal dessa poesia que não passa, e aguar todas as nossas esperanças ressecadas, todos os dias seguintes.

Vivo e revivo e escrevo, que é minha forma de embrulhar esse momento para presente. Para o presente. Que é para reviver e para entregar perpétua a você nossa manhã passada, vista da janela da minha casinha invisível, feita de amor eterno e perfume de café.

Pele pelo sol da manhã mostrando as marcas dos lençóis. Tatuagens temporárias, as únicas testemunhas. Gosto de lembrar delas, de você de costas, contra a luz da minha janela, do seu cabelo na nuca, da sua altura, dos seus dedos  segurando o cigarro apagado, do cheiro da sua blusa usada, do seu joelho que as vezes encostava no meu joelho. Meu endereço é esse. Desde aquele momento. Para sempre, desde sempre... Desde que desejei pela primeira vez na vida criar raízes, era ali que sem saber eu sonhei morar, parar.

Guarda aqui nessas letras, meu endereço. Você vai sempre me encontrar. Sentada nos seus joelhos, dando atenção à música nova, vestindo sua camisa, bebendo nosso café, escolhendo laranjas boas para nosso suco, tentando e não conseguindo sair dessa entrega, que ficou, e me paralisou nas suas cores, por todos os próximos dias, horas, pessoas, cores, perfumes e lugares... Por toda minha vida.