Do alto dos quase trinta anos (e evitando precisão de
informação acerca da idade), comecei uma mania chata de aplicar questões
filosóficas sobre a vida quando tenho oportunidade de observar crianças
brincando, principalmente meninas. É distante olhar como adulta essa cadência,
e ao mesmo tempo tudo ainda é muito familiar. Quase completo as frases.
Complicado não encher tudo de significado, de
simbolismo, de sinais. São sementes essas pessoas tão novas, são cheias de potencialidades,
umas mais fortes que outras resistem mais bravamente às podas, mas até quando?
Só a luz de Freud cala essa conversa mental, lembrando
que “às vezes, um charuto é só um charuto”.
Mas conto isso para pontualizar na minha curiosidade na
diferença das brincadeiras e do mundo imaginário, das meninas e meninos. Da
minha época lembro de vários embates terríveis para decidir quem seria a Pocahontas,
a Jade e a Rapunzel... Era séria a disputa. Tão séria quanto a de duas meninas
que discutiam outro dia numa loja para decidirem quem ficaria com a fantasia da
Elsa e da Anna. Os meninos, dos mais quietinhos aos mais espevitados, tem seus
heróis para travarem seus embates, ou então seus modelos de carros, ou então
seus sei lá mais oques que essa meninada anda arrumando, mas até hoje não
conheci um garotinho cheio dessas ofertas imaginárias brigando para ser o príncipe
da princesa fulana. E é isso, são meninos que estão se divertindo com outras
coisas mais divertidas. Mas será que não são tão crianças quanto as meninas que
também poderiam estar se divertindo com imaginário de algo como os Minions?
Vejo poucas garotinhas querendo se fantasiar de Minions, e eles são o máximo,
diga-se de passagem.
Bom, claro que existe O Show da Luna, a Peppa, a Dora
Aventureira, etc de referência feminina para as garotinhas, e que elas não
estão por aí só vendo “coisas de meninas”, mas o forte mesmo da idealização,
por quem vejo os olhinhos brilhando, são as princesas. Até hoje. Elas se sentem
com o máximo de beleza e todas as milhares de qualidades do mundo que só uma
princesa da Disney pode reproduzir. E ai do pai ou da mãe quando negam a tão
sonhada fantasia. É engraçado de ver.
Falamos "engraçado” em momentos sem graça
nenhuma, não é mesmo?
Isso me dá frio na
barriga para ser mais sincera. Me dá medo não saber o quanto essas meninas
encantadas com o mundo do príncipe encantado vão levar delas mesmas para a vida
adulta, medo de ver desperdiçar diversão e aprendizado e criatividade com
outros assuntos. Medo do tamanho da decepção quando souberem que não teve um
príncipe sendo formado em contrapartida aos seus anos de vestido rodando pela
sala da casa, cantando a música tema do desenho... E que o boy não tem culpa
disso. Ele estava envolvido com as corridas, batalhas, incêndios, futebol. Teve
foi ocupação, e que bom que tenha sido assim, afinal aos 12 anos o moleque já
foi “de um tudo” nessa vida.
Queria ver menos princesas e mais Alices em seus países das
maravilhas. Mais meninas com a carinha limpa, sendo meninas curiosas, vivendo
suas aventuras e descobertas com seus amigos, bichos, e no mundo só delas. Sem
essa preocupação com questões romantizadas fora da hora... Afinal tem a vida
inteira para isso virar uma questão, para que precipitar tanto? Sem essa espera
para que sejam salvas, sem essa aposta alta de que final feliz que se preze
depende de ter um príncipe. Queria ver incentivado o protagonismo dessas pequenas,
ver o mistério que cativaria mais... Queria, mas sem achar que os problemas sentimentais
dessas adultas estariam resolvidos, porque não falta enredo para preencher todas
essas estórias. Meu querer é mais porque sei que quem foi Alice não tem medo de
cair na toca do coelho e descobrir um mundo novo, nem de estar sozinha e
enfrentar suas questões com a sabedoria própria, nem de encarar seus inimigos e
nem de confiar nos seus amigos (e que eles são de todos os jeito e formas e
isso é maravilhoso). As Alices tem experiência com as próprias mudanças de
forma física e de pensamento, tem coragem, determinação nos objetivos... Essas
meninas tem sorte, minimamente elas já conheceram muito mais cores do que a cor
de rosa.
Tem muita coisa que as Alices são, e tem outras infinitas
mais além, morando em possibilidades a perder de vista das torres dos castelos
das princesas. E acho que queria no fundo era isso mesmo, que fosse além.
Príncipes e princesas são legais, mas é nesse sentido que a
vida vai... Muito além.